Vale da Noite
Coisas que fervem e magma que sobe.
Estou em Campeche, onde a especulação imobiliária figura baixinha e contida até a linha da restinga. Dunas, palavra de origem neerlandesa, são montes de areia soprados pelo vento que aqui tem nome, tamanha a importância. O azul é o limite, mesmo atrás das nuvens megalomaníacas. Descanso as pernas esticadas, levemente separadas, e tem dois gatos adormecidos entre elas. Resgatados das enchentes do Rio Grande do Sul do ano passado, achei curioso se alojarem no muro do quintal na chuva de ontem. Lembrei que a gente não sabe de nada.
Eu ouvia muito um podcast americano (até mudarem o roteirista) que tem o formato de programa de rádio, o Welcome to the Night Vale. Entre o sobrenatural, o bizarro, o absurdo e teorias reais da conspiração, o podcast mistura humor com ficção científica, ansiedade pós-moderna, curiosidade antropológica e existencialismo surreal. Gosto do que eles sugerem como lugares comuns. Desaforismo é desaforo com não-aforismo, e é bom demais.
A ideia do programa é divertir causando estranhamento, nos tirando da zona de conforto. Um dos quadros é a previsão do tempo; o locutor anuncia, “and now, the weather”, mas não informa sobre o clima, pois o the weather é um quadro musical (tocam canções incríveis da cena independente estadunidense). Se você ainda não ouviu, e espero que ouça, desculpe o spoiler aqui.
E bem, aqui do vale do vento, mando a previsão do tempo:
Anfíbios
As perdas inevitáveis
andam com suas próprias pernas
Do outro lado da faixa amarela
a espera rima com pisca-alerta
Tem ruído remoto
trem trovão pulmão
Sim ou não
a bifurcação
Na submersão do universo
os últimos
serão diversos



Sim para a bifurcação.
Sim para o pulmão que treme.
Sim para a diversidade do que não se conta.